sexta-feira, 23 de maio de 2008

Guernica


Composition of Johann Sebastian Bach's Toccata in D minor BWV 565 and Pablo Picasso's "Guernica".

Guernica é mais do que um quadro; é o símbolo da crueldade e do horror da guerra... Ficou na História como o símbolo mais representativo do desastroso episódio da Guerra civil de Espanha; mas representa também a luta contra o facismo, a opressão e toda e qualquer forma de totalitarismo. Em Julho de 1936 dá-se um levantamento militar contra o regime instituído da República de Espanha. Encabeça esse levantamento o General Franco que é nomeado Chefe de Estado na zona controlada pelos militares. Esta situação degenera num conflito bélico que durará quase três anos, até Abril de 1939. As democracias europeias decidem bão intervir, mas os regimes facistas da Alemanha e Itália colaboram com os militares rebeldes, enquanto a Rússia se coloca do lado da república. O saldo da guerra cifrou-se em mais de um milhão de mortos e milhares de exilados e refugiados políticos. Muitos deles só regressaram a Espanha quarenta anos depois, com a queda do regime franquista.

O quadro de Picasso
"O que pensa que é um artista? Um idiota, que só tem olhos, quando pintor, só ouvidos, quando músico, ou apenas uma lira para todos os estados de alma, quando poeta, ou só músculos, quando lavrador? Pelo contrário! Ele é simultaneamente um ente político que vive constantemente com a consciência dos acontecimentos mundiais destruidores, ardentes ou alegres e que se forma completamente segundo a imagem destes. Como seria possível não ter interesse pelos outros homens e afastar-se numa indiferença de marfim de uma vida que se nos apresenta tão rica? Não, a pintura não foi inventada para decorar casas. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo." (Pablo Picasso, sobre Guernica.)
Conta-se que, quando os nazis ocuparam Paris na Segunda Guerra Mundial, um oficial alemão, olhando uma reprodução do quadro Guernica, perguntou a Picasso se fora ele que tinha feito aquilo. Picasso respondeu: "Não, foram vocês!"
De maneira muito estudada, Picasso divide o quadro em quatro partes iguais. A base da composição assenta sobre um triângulo com base muito alongada, onde se situam as figuras mais importantes: o cavalo, o guerreiro morto, a mulher agachada e a mulher que segura a luz. Fora do triângulo, as figuras colocadas de ambos os lados: touro e mãe com o filho morto (à esquerda) e a mulher em chamas (à direita) dão simetria e equilíbrio à composição. A cena está iluminada de forma dramática pelo olho-lâmpada e pelo clarão das chamas. Picasso utiliza aqui uma gama muto limitada de cores: apenas o branco e o negro juntamente com bastantes tonalidades de cinzento procurando ser fiel aos relatos da imprensa da época. O posicionamento das figuras dá a entender que o que sucede na cena se desenvolve da direita para a esquerda. Enquanto uma das figuras arde em chamas, outra entra no quadro arrastando-se na direcção do cavalo. Este, torce a cabeça na direcção dos restantes personagens.
(Cfr.: http://www.xardesvives.com/plastica/guernica/guernicafs.htm)


O quadro mais famoso de Pablo Picasso pode ser agora visitado online e em três dimensões. Um trabalho notável da artista nova-iorquina, Lena Gieseke.




A 4 de maio de 1939 o Presidente do "Ayuntamiento" de Guernica divulgou o seguinte comunicado a todo o povo de Espanha:
"Em pé, diante desde microfone, quero contar o que os meus olhos viram no lugar do que já foi Guernica, e tomo Deus como testemunha: Envergonhados pelo monstruoso crime que cometeram, os rebeldes apelam para a falsidade para camuflar, para negar a mais vil das proezas da História, a total e absoluta destruição da cidade de Guernica. Aquele dia fatal, 26 de abril, era dia de mercado e a cidade estava cheia de gente. Em Guernica havia milhares de camponeses de toda a vizinhança, numa atmosfera de camaradagem basca, e ninguém suspeitava de que uma tragédia se aproximava. Pouco depois das quatro da tarde, aviões jogaram nove bombas no centro da cidade. Procurávamos os feridos, quando mais aviões surgiram, jogando todo tipo de bombas, incendiárias e explosivas. As feras que pilotavam tais aviões, logo que avistavam nas ruas ou fora da cidade uma figura humana, focalizavam nela suas metralhadoras, semeando terror e morte, entre mulheres, crianças e velhos. Tal foi a tragédia de Guernica, cuja verdade, eu, prefeito da cidade, afirmo diante do mundo inteiro. A Milícia estacionada em Guernica, naquele dia, era exatamente a mesma que havia confraternizado todos esses meses com o povo de Guernica, ganhando sua afeição. Foi a primeira a prestar auxílio naqueles momentos terríveis. Não foi nossa milícia que ateou fogo a Guernica, e se o juramento de um alcaide cristão e basco tem algum valor, juro diante de Deus e da História que aviões alemães bombardearam cruelmente nossa cidade até riscá-la do mapa." Guernica foi ferida, mas não morrerá. Da árvore brotarão novas folhas verdes em toda primavera; seus filhos a ela retornarão; suas casas serão reconstruídas, suas igrejas escutarão novamente seus hinos e preces... Guernica, o símbolo de nossas liberdades nacionais, e o símbolo da ferocidade do fascismo internacional, não pode morrer." (Cfr.: História do Século 20, volume 4 - Abril Cultural)

Em jeito de conclusão, poderemos dizer que Guernica é um grande grito suspenso: desde o relincho do cavalo, ao alarido da mulher que olha para o céu, pasando pelo bramido feroz do touro, o terrível gemido da mãe que segura o filho morto nos braços... No meio deste estrondo atroz, o silêncio da flor que brota junto à espada do guerreiro convida à esperança, ou, se quisermos, segreda-nos que enquanto houver resistência haverá esperança.

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Cultura do medo vira cultura da culpa. "Iniciando-se como inimigo externo, o mal insinua-se, sorrateiro, na interioridade do espírito. O pecado, tentação demoníca, já não precisa de figuras visíveis, nossos devaneios, sonhos mais secretos desejos cindem nosso ser e o mal chama-se apenas paixão da alma" (Marilena Chauí). Emprestamos nosso corpo e nosso espírito para que o diabo seja, restando-nos o medo de nós mesmos. O Inferno somos nós. (...) O medo é companheiro de secretos ódios...